segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Antichrist - Lars von Trier



Acho que vai ser a primeira vez que eu vou escrever um post por etapas. Eu inauguro este precedente porque ao mesmo tempo em que eu não quero me esquecer das primeiras impressões que eu tive sobre este filme, eu também não quero parar de escrever sem antes escrever um pouco sobre todas as impressões que eu tive sobre ele. E como o tempo que eu tenho para fazer isso vai se dividindo, tão tristemente e com desvantagem, com o tempo que eu preciso usar para fazer outras coisas, fica o post por etapas.

***

No que fracassei. Escrevi aquela primeira parte ainda na semana passada, um pouquinho só depois de ter chegado do cinema. Estava cheio de ideias na cabeça sobre o Gênesis, sobre a suma importância do filme se chamar Antichrist e não The Antichrist, sobre a gloriosamente dramática fala da mulher, dizendo que ela não tinha encontrado a chave inglesa; sobre outras coisas também que eu pensava que precisavam ser ditas depois de alguma reflexão, como a minha sugestão de que o David Lynch deve ter assistido a esse filme pensando "well played", ao que eu lembraria a ele, se por acaso nos encontrássemos na fila da padaria, "mas você explodindo a cabeça do Willem Dafoe com uma escopeta em Wild at Heart também foi massa, David". Mas todo esse surto de pensamentos eu irei interromper agora, pois a única coisa séria que se pode dizer sobre este filme, a única recomendação que eu vou levar para a minha vida depois de vê-lo está essencialmente reduzida a isto:


domingo, 13 de setembro de 2009

Up - Pete Docter e Bob Peterson




Por mais que eu já tivesse lido, na Veja, sobre o enternecimento bucólico e sobre a comiseração voluntária que se sentem na cena das nuvens, os dois amantes deitados numa colina vendo, nas formas de algodão, os sonhos de uma vida inteira progressivamente se desfazendo em amarguras no mundo triste onde as nossas fantasias não se realizam; por mais que eu já soubesse mais ou menos o que iria acontecer, admito que uma ponta de desespero me abateu na hora. Acho que eu cheguei a sussurrar, ensimesmado, que aquilo tudo era uma grande pena. Mas depois disso, pelo menos, as comoções vão se tornando menos arrebatadoras e o que ocorre é que você se esquece de torcer pelo Carl por tudo de lamentável que já aconteceu com ele no passado, adquirindo então a expectativa mais prosaica de que coisas positivamente engraçadas simplesmente continuem a acontecer com ele. No que não se fica decepcionado, aliás.

Foi a primeira vez que eu assisti a um filme numa sala preparada para a tecnologia 3D. Eu pensava que eu iria receber um daqueles óculos com umas rudimentares lentezinhas de plástico azul e vermelha, como as que costumavam vir nas revistas científicas de muitos anos atrás, supostamente permitindo ao nerd enxergar o mundo como as aranhas, as abelhas e outras criaturas de grande interesse. Óculos 3D, hoje em dia, já não são mais assim. Não os que você recebe para assistir a este filme, em todo caso, que seguem o modelo fundo de garrafa como o do próprio Carl Fredricksen, com a lente um pouco obscurecida. Agora, eu não sei se eu perdi algum recurso de imagem pelo fato de usar os óculos 3D por cima dos meus próprios óculos de grau. Para a comunidade dos que têm uma miopia não muito acentuada e um astigmatismo grande a ponto de o dono da ótica ficar assustado e dizer que aquilo está fora do padrão industrial, que ia ficar difícil conseguir fazer a receita e que ele iria ver se dava um jeito de mandar fabricar - porque ele trabalha há muitos anos nesse negócio - a sua lente especificamente para você, para essa grande comunidade eu informo: dá para ver o filme numa sala 3D; você só vai ficar tendo que ajeitar os óculos a todo instante, o que não é novidade alguma.

Sobre a história em si, as informações que eu tenho a dar ficam um pouco prejudicadas por uma circunstância incomum que acabou acontecendo comigo. Mais ou menos, eu diria, quando o primeiro quinto do filme estava terminando, eu saí da sala para comprar pipoca e refrigerante - ocasião em que eu fui ao balcão e fiquei pensando em comprar pipoca e refrigerante. O momento que eu escolhi, parece, não poderia ter sido pior, pois eu perdi a hora em que o Carl e o Russell saem de uma cidade nos E.U.A, onde eles viviam aparentemente regularmente, e embarcam numa casa sustentada por inúmeros balões de hélio, que, voando com um senso de direção até agora incompreendido, aterrissa numa chapada da América do Sul. Um evento que qualquer um vai reconhecer que, se você perde a hora em que ele aconteceu, pelo resto do filme você vai ficar se perguntando um pouco mas como diabos tudo isso aí foi acontecer.

Nada que me fizesse desgostar da história. Sabe quando o repórter diz que determinada atividade é para toda a família, que os adultos vão se divertir até mais do que as crianças, assim produzindo nos seus leitores a vontade de bater a cabeça na parede? Então, blogueiros também podem falar isso.

Um pouco de Denis/Mr. Wilson: o Russell é um escoteiro que precisa conquistar uma última distinção - ajudar um idoso - antes de receber a honraria final de ser considerado um grande explorador. O Carl é um pacato cidadão que resolve realizar o sonho de infância da sua falecida mulher e ter uma casinha no Paraíso das Cachoeiras. Ele chama o guri de guri, o que é o adequado.

Os amigos que eles fazem no caminho: o cachorro tem uma coleira do tipo Ned/South Park e consegue falar. A Kevin é uma espécie rara de ave que habita a região e frequentemente engole a begala quadripé do Carl, regurgitando-a cheia de gosmas.

sábado, 12 de setembro de 2009

Seven pounds - Gabriele Muccino


Me lembrei de como um dos personagens do The Devils também queria aproveitar a circunstância de que ele planejava se matar em algum momento próximo para então fazer alguma coisa de útil pelos outros. Em vez de sair doando órgãos, no entanto, o que esse personagem iria fazer era assumir a responsabilidade, numa carta suicida forjada, pelo assassinato de uma personalidade política da região. Assim, era o plano, desestabilizava-se o regime com o assassinato e, ao mesmo tempo, garantia-se a impunidade dos verdadeiros homicidas. E por que alguém iria se dispor não só a morrer, mas a morrer levando para a eternidade a infâmia junto ao seu nome? A resposta é o niilismo. Esse personagem era niilista. Ele não iria se matar por estar enfadado, entristecido. Muito menos ele iria se sacrificar pela causa revolucionária. O que ele iria fazer era apenas responder da maneira que lhe parecia a mais natural à imensa pressão que acompanhava a sua crença de que nada era importante. Ora, se nada é importante, eu não devo simplesmente me acomodar num estado de apoplexia paralisante. Devo logo atravessar com um projétil o meu crânio, contribuir, por meio de um exterminiozinho, para a grande aniquilação total que deveria ser o único propósito de todo mundo. Mas se realmente nada é importante, não faz mal eu esperar alguns meses até que uns amigos revolucionários que eu tenho possam planejar o assassinato de um Príncipe local, para que então eu possa assinar um carta estúpida assumindo a responsabilidade pela coisa toda. Nada de culpa, portanto, e nada de redenção.

Já neste filme, o que acontece é justamente uma tentativa de redenção da culpa. Mas o que eu gostaria de dizer é que ainda não foi dessa vez que eu achei o tema da culpa e da redenção suficientemente bem tratado. Quer dizer, não consigo me lembrar, nesse momento, de nada que tenha cuidado desse assunto do jeito que eu acho que seria muito legal se fosse feito. Só que também tem uma coisa: eu não estou querendo fazer um tratado aqui e não estou com paciência para pensar em várias referências que eu sei que poderiam ser feitas. O que eu estou querendo dizer sobre Seven Pounds é que, por nobres e cativantes que tenham sido as intenções do personagem do Will Smith, a origem dessa sua conduta não é exatamente tão perturbadora quanto se quer fazer crer.

Estragando a surpresa para quem ainda não viu o filme - e estragando mesmo a surpresa, já que, Ai, Meu Deus, que original e diferente que esse filme é ao contar a história em flashbacks! -, o que acontece é o seguinte. O sujeito trabalha bastante e é rico. Ama a esposa e tudo o mais. É fiel, etc, etc. É um bom chefe para os seus funcionários, mas de vez em quando ele chega atrasado para o jantar e fica falando ao celular. Numa dessas vezes em que ele está falando ao celular, logo depois de ter comprado um gigantesco anel de diamantes para a sua mulher - a qual, diga-se de passagem, em verdadeira sublimação, não se aguenta de felicidade ao ficar contemplando incessantemente o tal anel -, numa dessas vezes, eu ia dizendo, o personagem do Will Smith comete a suma injúria de incorrer numa infração de trânsito. Isso porque ele estava dirigindo o seu carrão e foi atender ao telefonema de alguém do escritório. Ato contínuo, perde o controle do carro, tromba numa van e deixa sete pessoas mortas, a esposa, inclusive.

Daí a sua culpa, daí a sua tentativa de redenção. Depois desse acidente ele sai do seu emprego importantão e sai da sua casa de praia esplêndida. Ele dá um jeito de conseguir a carteirinha do seu irmão, que é auditor fiscal, vai se meter num quarto de hotel barato, e então vai atrás de sete pessoas cujas vidas ele pode salvar, seja com os seus bens materiais, seja com os seus órgãos vitais. Muito comoventemente ele se mata, mas de uma maneira elaborada e bem planejada, de modo que um amigo dele possa providenciar a doação de órgãos e outros detalhes lá.

Mas de que tipo de culpa nós estamos falando? De um acidente de trânsito, ora senhora! De um acidente de trânsito intencionalmente provocado? Intencionalmente provocado por um motorista sem habilitação? Bêbado? De alguém que estava a 180 numa área de 40? Não. Estamos falando de um acidente de trânsito de alguém regularmente habilitado, sóbrio, que dirigia de maneira adequada pela rodovia. Ah, mas ele foi atender ao celular... Ah, e quem estava ligando era o pessoal do trabalho, tipo, umas 10 horas da noite...

No filme, não se enfatiza muito o único aspecto relevante do caso, que foi o cometimento de uma infração do trânsito. A mulher dele mesmo não reclamou que ele atendesse ao telefone. Ela ficou brava foi com o fato de que era alguém do trabalho ligando. É, atender o telefonema de alguém do trabalho é muito ruim. Trabalhar mesmo é a suprema iniquidade. O sujeito que faz a opção de trabalhar é o responsável por tudo de ruim que acontece na Terra. É nesse ponto - e, por causa dos flashbacks, esse ponto é esclarecido apenas no final - que eu acho que o filme desandou. O que é uma grande pena, porque esse é o próprio ponto de partida da história: um sujeito diligente o suficiente para atender a um telefonema do escritório é tão incrivelmente ímprobo que se um acidente de trânsito acontecer e ele for o único sobrevivente, então a única forma dele escapar do inferno vai ser ele se matar, dar a sua casa para uma imigrante e doar todos os seus órgãos vitais para as pessoas que estão mal colocadas na lista de espera. Eu fiquei sensibilizado, é claro, com a história e evidentemente admirei o exemplo de abnegação do personagem, mas, falando de culpa e redenção, eu acho que Seven Pounds não é lá uma coisa formidável.

Depois de um trauma como o dele, eu até concedo, o sujeito poderia questionar alguns de seus valores, refletir se a forma como ele conduzia a sua vida era ou não a mais edificante forma possível. Minha opinião é a de que ele já não andava mal das pernas desde o início e que a sua reação, embora de um valor único para as pessoas que dela se beneficiaram, mostra como ele simplesmente não percebeu a proporção das coisas. Basta pensar, por exemplo, que o único tipo de responsabilidade criminal de que se cogita no filme é a responsabilidade por adulterar documentos fiscais. Nada se fala sobre responder criminalmente pelas mortes provocadas. Se essa é ou não uma peculiaridade do sistema jurídico local não vem ao caso, porque a mera ideia de ir para a cadeia sequer passou pela cabeça dele. Me parece claro que é mais útil alguém fazer o que ele fez, em oposição a só apodrecer no sistema carcerário; já a justiça da coisa, principalmente em se tratando de morte acidental, esse ponto já fica muito mais difícil de se sustentar.

Como exemplo de verdadeira culpa e redenção, em todo caso, eu não gostaria de ver um grande executivo, um trabalhador perfeitamente legítimo, afinal, retirando a sua existência por causa de um acidente de trânsito. Ou, como eu li na Veja há pouco, como acontece no novo filme do Lars von Trier, um casal indo à loucura porque, ocupados que estavam na cama, não perceberam o seu filhinho se precipitando pela janela. Curiosamente, o tipo de culpa que se tolera ver tratado em histórias é a culpa no seu sentido jurídico -- grosseiramente falando, nos casos de ausência de intenção. Culpa no sentido vulgar, quando há intenção na prática do ato, parece ser difícil demais de ser suportado.

Eu gostaria de ver a história de um cara que tenta se redimir depois que ele deixa uma criancinha ser atropelada por um trem, sendo que ele não ganhava nada com a morte dela, ninguém em sete gerações de ascendentes dela tendo feito nada de mal a ninguém em sete gerações de ascendentes dele, sendo que ele tinha quarenta minutos para desamarrá-la antes que o trem chegasse e sendo que ele preferiu ficar sentado, vendo a confusão acontecer. Um cara desses, aí sim, poderia depois pensar "Mas que coisa ruim foi essa que eu fiz, Nossa Senhora?" e se arrepender. A história desse cara se redimindo seria interessante de ser vista.
 
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